sexta-feira, 25 de outubro de 2013

Sedrá para o Shabat de 26/10/13 (D’varim 1, 2 e 3)

Por Yochanan ben Avraham

Introdução.

D’varim, termo hebraico que significa palavras, de fato é o nome apropriado para o quinto livro da Torah, pois este é um livro de discursos. Discursos estes que, explicavam “esta Torah” a todo povo hebreu.
Nestes três primeiros capítulos do livro, nos salta aos olhos algo fundamental para o estabelecimento de um povo... Estamos nos referindo à memória. Por isso, nosso comentário estará voltado para este aspecto e não necessariamente a todo os eventos mencionados nestes capítulos.

Memória e identidade.

No tehilim (Salmos) 90, temos uma oração atribuída a Moshe pedindo que lhe seja concedida capacidade para contar os dias até que se alcance a sabedoria:

Ensina-nos a contar os nossos dias, de tal maneira que alcancemos corações sábios.
(Tehilim/Salmos 90.12)

Nenhuma sociedade terá continuidade se desprezar o seu passado, e a ligação com o passado é feita através da memória e é por meio dela que distinguimos o ontem do hoje,
confirmando que tivemos um passado, um caminho percorrido, enfim... Uma história. É essa história que nos dá um sentido de identidade, pois sabendo o que fomos e por onde passamos, sabemos quem somos e para onde devemos ir.
Há aproximadamente cinqüenta anos, o revolucionário conhecido por Che Guevara disse as seguintes palavras:

“Um povo que não conhece a sua história está condenado a repeti-la”

Ao ler os primeiros capítulo de D’varim, vemos que o princípio citado pelo famoso revolucionário, já havia sido revelado há milênios! Contando os dias de sua peregrinação, pontuando os diversos eventos ocorridos durante o percurso, Israel encontraria o equilíbrio entre o que era, é e deveria ser.
Bem depois disso, já no primeiro século de nossa era, mais uma vez a memória é evocada como algo fundamental para o êxito de nossa caminhada:

Ora, irmãos, não quero que ignoreis que nossos pais estiveram todos debaixo da nuvem, e todos passaram pelo mar... Ora, tudo isto lhes sobreveio como figuras, e estão escritas para aviso nosso, para quem já são chegados os fins dos séculos.
(Curintayah alef/1 Coríntios 10.1 e 11)

Verdadeiramente, um dos verbos mais significativos para o povo hebreu é “Lembrar”. É na lembrança que pode estar a diferença entre a vida e a morte, a benção e a maldição, este aspecto se torna interessante porque neste detalhe, algo presente na própria palavra revela algo importantíssimo,  ao utilizarmos a guemátria, isto é, o sistema de calculo das letras hebraicas, descobrimos que זכר “zakar” (Lembrar), tem o mesmo valor das palavras ברכה “berakah” (Benção) e בכרה “bekorah” (Primogenitura), ou seja, 227. Vale lembrar ainda que o sinal estabelecido pelo Eterno para distinguir seu povo é a guarda do Shabat, o único dos dez mandamentos que se inicia com a ordem, lembra-te!

Lembra-te do dia do sábado, para o santificar.
Seis dias trabalharás, e farás toda a tua obra.
Mas o sétimo dia é o sábado do YHWH teu Elohim; não farás nenhuma obra, nem tu, nem teu filho, nem tua filha, nem o teu servo, nem a tua serva, nem o teu animal, nem o teu estrangeiro, que está dentro das tuas portas.
Porque em seis dias fez o Senhor os céus e a terra, o mar e tudo que neles há, e ao sétimo dia descansou; portanto abençoou YHWH o dia do sábado, e o santificou.
(Shemot/Êxodo 20.8-11)

Conclusão.

A benção e a primogenitura dos filhos de Israel estão intimamente relacionadas à lembrança, portanto, a sua memória. Logo, não é difícil imaginar porque Moshe começa seu discurso trazendo ao povo, as lembranças de tudo que viveram até chegar aquele ponto. Que neste Shabat, todos nós possamos aproveitar este momento para lembrar como chegamos até aqui e fazer os ajustes necessários para prosseguirmos nossa caminhada.


Shabat Shalom!!!

terça-feira, 15 de outubro de 2013

O dízimo cobrado pelas igrejas, cristãs ou não, é legítimo?

Por Yochanan ben Avraham

Introdução.

Uma das doutrinas bíblicas mais corrompidas se refere à cobrança do dízimo por parte das igrejas cristãs. Com o objetivo de trazer luz a este assunto nos propomos a dar uma pequena contribuição escrevendo este artigo. Pretendemos também que pessoas sinceras em sua devoção, ao lerem este artigo, possam discernir as coisas conforme estabelecidas pela bíblia e testemunhadas na História.
Tenho a certeza que muitas destas pessoas vivem oprimidas por causa deste assunto, pois aprenderam que se não dizimarem estariam “amaldiçoadas”. Por causa das “conseqüências” previstas, não têm coragem de perguntar se as coisas são de fato assim, pois se o fizerem já serão taxadas de rebeldes, incrédulos e coisas do gênero.
De fato, muitos líderes estão explorando a “boa fé” destas pessoas deturpando as escrituras e para legitimarem a extorsão cometida em “nome de Deus”, usam e abusam de técnicas persuasivas em seus eloqüentes discursos.
É bem verdade que alguns líderes não têm esta malícia e nem fazem idéia do quanto estão equivocados ao afirmarem o dízimo como se prega nas igrejas, mas se forem humildes para buscarem esclarecimentos sobre o tema, certamente irão repensar seus discursos e práticas.

Definindo o termo.

O substantivo מעשר “ma’aser” (dízimo), está relacionado com o verbo עשר “asar” (dizimar) e a primeira menção deste termo (ma’aser/dízimo) ocorre em Bereshit (Gênesis)14.20. Porém, sua legislação só irá ocorrer na Torah a partir de Vayikrá (Levítico) 27, passando também por Bamidbar (Números) 18 e D’varim (Deuteronômio) capítulos 12; 14 e26. Depois disso, a palavra ma’aser/dízimo aparece poucas vezes no Tanach (Bíblia hebraica chamada pelos cristãos de Velho Testamento). Nos textos pré-exílicos posteriores a Torah, a palavra ocorre apenas em Amós 4.4, embora haja uma menção de entrega de dízimos durante a reforma de Ezequias em Divrei hayamim beit ( 2 Crônicas) 31.5. Nos textos pós-exílicos ma’aser/dízimo é encontrado seis vezes no livro de Nechemiah (Neemias), duas vezes em Malachi (Malaquias). No livro de Yechezkel (Ezequiel) este substantivo é utilizado duas vezes para designar a décima parte de uma unidade de medida.
No livro Makabim alef (Primeiro Macabeus), temos a menção desta prática em três ocasiões: 1Mk. 3.49; 10.31 e 11.35.

O dízimo na antiguidade.

Ao contrário do que a grande maioria deve pensar o pagamento de dízimos não se originou com os hebreus e muito menos com a Bíblia! Antigas civilizações pagãs como fenícios e babilônios, dentre outros, já pagavam o dízimo. Tabletes de argila com escrita cuneiforme comprovam esta prática na mesopotâmia, sobre isso, podem-se verificar maiores detalhes nas obras: “The anciente Orient”, de W. Von Soden. Eerdmans 1994. Pg. 183-198; “Theology of the Old Testament”, de W. Eichrodt, SCM 1987. Vol. 1, pg. 141-177 e ainda, “Theological Wordbook of the Old Testament”, Moody press, 1980.  

A) O dízimo de Avraham (Abraão).

Ouvindo, pois, Abrão que o seu irmão estava preso, armou os seus criados, nascidos em sua casa, trezentos e dezoito, e os perseguiu até Dã.
E dividiu-se contra eles de noite, ele e os seus criados, e os feriu, e os perseguiu até Hobá, que fica à esquerda de Damasco.
E tornou a trazer todos os seus bens, e tornou a trazer também a Ló, seu irmão, e os seus bens, e também as mulheres, e o povo.
E o rei de Sodoma saiu-lhe ao encontro (depois que voltou de ferir a Quedorlaomer e aos reis que estavam com ele) até ao Vale de Savé, que é o vale do rei.
E Melquisedeque, rei de Salém, trouxe pão e vinho; e era este sacerdote do El Elion E abençoou-o, e disse: Bendito seja Abrão pelo El Elion, o Possuidor dos céus e da terra; E bendito seja o El Elion, que entregou os teus inimigos nas tuas mãos. E Abrão deu-lhe o dízimo de tudo. (Bereshit/Gênesis 14.14-20)

Considerando que Bereshit (Gênesis) 14, não seja uma interpolação tardia de uma narrativa composta a partir de tradições orais, como acredita a maioria dos eruditos bíblicos, o episódio em que Avraham (Abraão) paga o dízimo a Malkitsedek (Melquizedeque) é o primeiro texto bíblico revelando esta prática. No entanto, conforme dissemos anteriormente, a legislação do dízimo para os hebreus só foi regulamentada bem depois pela Torah, nos tempos de Moshê (Moisés). Portanto, o dízimo pago por Avraham seguia o antigo costume daquela região, onde aqueles que venciam as guerras tinham o direito aos despojos da mesma, e não a determinação bíblica para tal, até porque a forma de dízimo pago pelo patriarca não é prevista na regulamentação do dízimo dada para os hebreus.

B) O dízimo de Ya’akov (Jacó).

Outra menção de pagamento de dízimo na Bíblia no período dos patriarcas é o que consta em Bereshit (Gênesis) 28.20-22:

E Jacó fez um voto, dizendo: Se Elohim for comigo, e me guardar nesta viagem que faço, e me der pão para comer, e vestes para vestir; E eu em paz tornar à casa de meu pai, YHWH me será por Elohim; E esta pedra que tenho posto por coluna será casa de Elohim; e de tudo quanto me deres certamente te darei o dízimo.

Mais uma vez, o dízimo mencionado por um patriarca nada tem a ver com o que foi determinado para o povo, neste caso específico observamos o seguinte: Se o dízimo fosse uma prática comum de Ya’akov, ele não teria feito tal voto, pois qual o sentido de votar algo que já se faz regularmente?
A forma como Ya’akov fez o voto é o oposto da condição apresentada pelas igrejas, pois Ya’akov disse: “Se me abençoares lhe darei o dízimo de tudo”. Enquanto as igrejas dizem: “Dê o dízimo e serás abençoado.”

O que Ya’akov fez, foi um voto. Ele não estava respondendo a algo sistematizado e obrigatório; Portanto, esta passagem não serve como “prova” de biblicidade para cobrança de dízimos.

O Dízimo bíblico.

Conforme dito anteriormente, o dízimo como algo sistemático e obrigatório para o povo do Eterno só foi regulamentado à partir dos livros Vayikrá (Levítico), Bamidbar (Números) e D’varim (Deuteronômio), mas antes de tecer comentários sobre como e o que eram os dízimos, não podemos deixar de propor a seguinte reflexão:

Se o dízimo só foi regulamentado como obrigatório pela Torah, e se para os cristãos esta mesma Torah foi abolida, por que então eles cobram fidelidade a este mandamento por parte de seus membros?

É necessário um verdadeiro “contorcionismo hermenêutico” para justificarem esta prática, pois a incoerência é flagrante! Vamos aos textos para entendermos o que era o dízimo e como deveria ser entregue:

Também todas as dízimas do campo, da semente do campo, do fruto das árvores, são do Senhor; santas são ao Senhor.
Porém, se alguém das suas dízimas resgatar alguma coisa, acrescentará a sua quinta parte sobre ela.
No tocante a todas as dízimas do gado e do rebanho, tudo o que passar debaixo da vara, o dízimo será santo ao Senhor.
Não se investigará entre o bom e o mau, nem o trocará; mas, se de alguma maneira o trocar, tanto um como o outro será santo; não serão resgatados.
Estes são os mandamentos que o Senhor ordenou a Moisés, para os filhos de Israel, no monte Sinai.
(Vayikrá/Levítico 27.30-34)

Da saída do Egito até a conquista da Terra Prometida, os hebreus foram trabalhados no intuito de ser uma comunidade, uma nação separada, santa em relação às demais e assim, serem os representantes do Eterno no mundo. Para que este objetivo fosse alcançado, a Torah foi entregue no Sinai e ela foi e continua sendo o instrumento utilizado para talhar o caráter do povo.
Durante a peregrinação no deserto, algumas instruções não tinham como ser observadas devido a vida nômade que o povo levava, logo, os dízimos de cereais e dos frutos das árvores, por exemplo, não poderiam ser entregues já que o povo não possuía terras para o cultivo destes mantimentos. Vale lembrar que neste período os hebreus foram sustentados com Maná:

E comeram os filhos de Israel maná quarenta anos, até que entraram em terra habitada; comeram maná até que chegaram aos termos da terra de Canaã.
(Shemot/Êxodo 16.35)

Percebe-se então que durante a peregrinação no deserto os únicos dízimos que poderiam ser entregues eram os do gado e rebanhos, e por não estar especificado no texto de Vayikrá (Levítico) como estes deveriam ser utilizados naquele período, por inferência podemos dizer que os dízimos dos rebanhos seriam para a realização dos serviços sagrados que, mesmo vivendo de maneira nômade, os hebreus tinham a obrigação de oferecer sacrifícios e ofertas a YHWH.
A partir do momento que possuíram a Terra Prometida e começaram a cultivá-la, os hebreus deveriam entregar também os dízimos do produto da terra. Os dízimos então passaram a ter mais uma finalidade:

E eis que aos filhos de Levi tenho dado todos os dízimos em Israel por herança, pelo ministério que executam, o ministério da tenda da congregação.
E nunca mais os filhos de Israel se chegarão à tenda da congregação, para que não levem sobre si o pecado e morram.
Mas os levitas executarão o ministério da tenda da congregação, e eles levarão sobre si a sua iniqüidade; pelas vossas gerações estatuto perpétuo será; e no meio dos filhos de Israel nenhuma herança terão, porque os dízimos dos filhos de Israel, que oferecerem ao Senhor em oferta alçada, tenho dado por herança aos levitas; porquanto eu lhes disse: No meio dos filhos de Israel nenhuma herança terão. (Bamidbar/Números 18.21-24)

Os Levitas, a tribo que não recebeu terras, pois sua função era os serviços sagrados tanto no Mishkan (Tabernáculo) quanto posteriormente no Beit HaMikdash (Templo), passaram a receber os dízimos do povo como forma de sustento, e mesmo estes repassavam o dízimo dos dízimos para os sacerdotes (ver Bamidbar/Números 18.26-28).
No livro de D’varim (Deuteronômio), temos outra aplicação, vejamos:

Certamente darás os dízimos de todo o fruto da tua semente, que cada ano se recolher do campo. E, perante YHWH teu Elohim, no lugar que escolher para ali fazer habitar o seu nome, comerás os dízimos do teu grão, do teu mosto e do teu azeite, e os primogênitos das tuas vacas e das tuas ovelhas; para que aprendas a temer a YHWH teu Elohim todos os dias. E quando o caminho te for tão comprido que os não possas levar, por estar longe de ti o lugar que escolher YHWH teu Elohim para ali pôr o seu nome, quando YHWH teu Elohim te tiver abençoado;
Então vende-os, e ata o dinheiro na tua mão, e vai ao lugar que escolher YHWH teu Elohim; e aquele dinheiro darás por tudo o que deseja a tua alma, por vacas, e por ovelhas, e por vinho, e por bebida forte, e por tudo o que te pedir a tua alma; come-o ali perante YHWH teu Elohim, e alegra-te, tu e a tua casa;
Porém não desampararás o levita que está dentro das tuas portas; pois não tem parte nem herança contigo.
Ao fim de três anos tirarás todos os dízimos da tua colheita no mesmo ano, e os recolherás dentro das tuas portas;
Então virá o levita (pois nem parte nem herança tem contigo), e o estrangeiro, e o órfão, e a viúva, que estão dentro das tuas portas, e comerão, e fartar-se-ão; para que YHWH teu Elohim te abençoe em toda a obra que as tuas mãos fizerem.
(D’varim/Deuteronômio 12.22-29)

O texto acima deixa claro que os produtos extraídos da terra deveriam atender os anseios espirituais dos israelitas além de promoverem justiça social, pois além de manterem os responsáveis pelos serviços sagrados, a cada três anos os dízimos eram destinados aos estrangeiros, órfãos e viúvas.
Enquanto o Templo esteve de pé e o sacerdócio levítico oficiava, esta legislação deveria ser respeitada e seguida, quando isso não ocorria, O Eterno levantava homens tementes que reconduziam o povo a esta prática como podemos constatar em: Divrei HaYamim beit (II Crônicas) 31.1-6; Nechemiah (Neemias) 10.28, 29, 37 e 38; Malachi (Malaquias) 2.1-9; 3.7-10).

Diante do exposto, fica evidente a relação entre o Dízimo e a agropecuária, sendo assim, surge à pergunta:
“E quem não fosse agricultor ou pecuarista, como deveria dizimar?”

A resposta é bem simples, mas antes, em virtude ao posicionamento cristão quanto ao dízimo, devemos dizer que tal resposta certamente causará algum incômodo a líderes cristãos que porventura lerem este estudo...
Como íamos dizendo, as profissões que não estavam ligadas a agropecuária estavam isentas de pagarem o dízimo. Artesãos, padeiros, carpinteiros, cozinheiros, guardas, pescadores, mestres de obra, ourives, caçadores, mercadores, músicos, alfaiates, coletores de impostos, ferreiros, etc., não tinham a obrigação, pois não há citação bíblica
de que os rendimentos do trabalho desses profissionais podiam ser cambiados ou compensados por ovelhas ou grãos a fim de se cumprir os procedimentos dos dízimos. Com isso em mente, mais uma coisa emerge do texto, é a seguinte: Dízimo nunca foi e nem é dinheiro! Não se pode alegar que isso se devia ao fato de não haver dinheiro naquela época, pois já nos tempos de Avraham (Abraão) já existia um sistema monetário (Ver Bereshit/Gênesis 23.15-16), por exemplo.
Quando Malachi exorta o povo sobre os dízimos devemos ressaltar que ele se referiu a “mantimentos” e não dinheiro:

“Trazei todos os dízimos à casa do tesouro, para que haja mantimento na Minha casa...”
 (Malachi/Malaquias 3.10)

Estes mantimentos eram armazenados nas câmaras que foram construídas sob ordem do Rei Ezequias para esta finalidade:

Então ordenou Ezequias que se preparassem câmaras na casa do Senhor, e as prepararam. Ali recolheram fielmente as ofertas, e os dízimos, e as coisas consagradas; e tinham cargo disto Conanias, o levita principal, e Simei, seu irmão, o segundo.
(Divrei HaYamim beit/2 Crônicas 31.11-12)

OBS.:
Observe que existe distinção entre Dízimos, ofertas e coisas consagradas!

Vale lembrar que, conforme ensina a Torah em D’varim/Deuteronômio 12, os dízimos deveriam ser comidos e caso não pudesse ser levado ao local destinado ao seu recolhimento (Yerushalayim/Jerusalém), dever-se-ia vender o dízimo e com o dinheiro obtido da venda, o ofertante iria então ao local escolhido e após comprar tudo aquilo que sua alma desejasse para banquetear-se com sua família na presença do Eterno!

O dízimo no “Novo testamento”.

No chamado Novo Testamento, a citação do dízimo (fora de textos do Tanach reeditados em seu conteúdo), só pode ser encontrada em dois livros, os evangelhos de Matitiyahu (Mateus) e Lucas e em nenhum deles se faz menção a dinheiro, mas em produtos agrícolas!

Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas! Porque dais o dízimo da hortelã, do endro e do cominho, e tendes omitido o que há de mais importante na lei, a saber, a justiça, a misericórdia e a fé; estas coisas, porém, devíeis fazer, sem omitir aquelas.
(Matitiyahu/Mateus 23.23)

Mas ai de vós, fariseus! Porque dais o dízimo da hortelã, e da arruda, e de toda hortaliça, e desprezais a justiça e o amor do Eterno. Ora, estas coisas importavam fazer, sem deixar aquelas.
 (Lucas 11.42)

Jejuo duas vezes na semana, e dou o dízimo de tudo quanto ganho.
 (Lucas 18.12)


Quando o dízimo se tornou dinheiro?

O dízimo como dinheiro origina-se do cristianismo primitivo que, diga se de passagem, já estava bem afastado de suas raízes hebraicas e consequentemente da Torah. O Didaquê (termo grego para doutrina; ensino; instrução;) conhecida como a “instrução dos doze apóstolos” cuja composição é situada entre a segunda metade do Século I e meados do Sec. II, embora seja consenso que NENHUM dos doze apóstolos tenha escrito tal obra apesar da menção a estes, preceituava que: “que as primícias do dinheiro, das roupas e de todas as suas posses deveriam ser dadas.” (13.7).
No Século VI mais precisamente no ano 585 d.C., O rei da Borgonha convocou um terceiro concílio em Mâcon onde os bispos da Borgonha e Nêustria promulgaram vinte cânones. Dentre os quais havia um que determinava a excomunhão daqueles que não pagassem os dízimos. Posteriormente, os soberanos carolíngios (dinastia de Carlos Magno) tornaram o dízimo eclesiástico como parte da lei secular. Confirmando-o com uma sanção civil, tornando obrigatório o pagamento do dízimo à igreja de Roma. Assim, a prática obrigatória do dízimo foi restabelecida por iniciativa da Igreja de Roma.

Concluindo...

Muito ainda poderia ser dito sobre o tema, pois muitos desdobramentos ocorreram ao longo dos séculos, mas acreditamos que este resumo pode indicar o “caminho das pedras” para um maior entendimento sobre o assunto.
Devemos esclarecer ainda que se alguém deseja contribuir para um trabalho religioso, entenda que isso é uma oferta, caridade ou seja lá qual o nome se queira dar, e esta oferta deve estar de acordo com aquilo que propôs no seu coração conforme ensinado por Sha’ul (Paulo):

Cada um contribua segundo propôs no seu coração; não com tristeza, ou por necessidade; porque O Eterno ama ao que dá com alegria.
(Curintayah beit/ 2 Coríntios 9.7)

Referências:

Enciclopédia Histórico-Teológica da Igreja Cristã. Walter A. Elwell
Dicionário Internacional de teologia do Antigo Testamento. R. Laird Harris; Gleason L. Archer, Jr. Bruce K. Waltke. Além de diversos sites na internet

sexta-feira, 11 de outubro de 2013

Sefer D’varim (Livro Deuteronômio).

Por Yochanan ben Avraham.

Introdução.

Chegamos ao último livro da Torah, e para iniciarmos os estudos e comentários de seu conteúdo faremos uma breve apresentação deste livro que, sem exageros, pode ser considerado o mais importante da Torah! Esta afirmativa se deve ao sentido claro de suas palavras acerca de como deve ser o relacionamento com O Eterno.
A ratificação do monoteísmo e o caráter do Eterno em relação a Sua Palavra; a afirmação da essencialidade do amor como base da “religião” (Serviço ao Eterno) e nas relações humanas e a definição das condições para ser parte integrante do povo de Adonai, (Israel), fazem deste livro uma obra magistral de fundamental importância para aqueles que pretendem trilhar O Caminho para a Vida.

O título do Livro.

Em hebraico este livro chama-se “D’varim”, que significa “Palavras”. Na Septuaginta (LXX), a conhecida versão grega do Tanach (Chamado de Velho Testamento pelos cristãos) ele foi denominado como “Deuteronômio”, que significa “segunda Lei” ou “Repetição da Lei”. Porém, a denominação grega para o livro, acaba indiretamente induzindo o leitor a um erro, pois o conteúdo de D’varim não é necessariamente uma repetição do que já havia sido dito nos demais livros, veja o quadro abaixo:

                Livros
   Repetição em D’varim
    Omitido em D’varim
Bereshit (Gênesis)
Quase nada
Criação, Dilúvio, Yosef e seus irmãos.
Shemot  (Êxodo)
Poucos detalhes do Êxodo; a revelação do Sinai; o pecado do bezerro de ouro
Mishkan (santuário móvel/Tabernáculo)
Vayikrá (Levítico)
Quase nada
Quase todas as mitzvot (mandamentos)
Bamidbar (Números)
Os espias; a derrota de Sichon & Og
Quase todas as mitzvot (mandamentos)

Como demonstrado, o sefer D’varim não é uma mera repetição, além do mais, contém mandamentos que não foram mencionados em nenhuma outra parte da Torah.

O tema do livro.

D’varim começa a se destacar dos demais, quando percebemos ao longo de todo seu texto a unidade de estilo e linguagem. Em comparação com os outros quatro livros, onde as histórias e mandamentos são apresentados na terceira pessoa, o sefer D’varim é quase todo escrito em primeira pessoa. Esta particularidade indica que o livro é uma coletânea de discursos sob o tema: “obediência e manutenção da Torah”.
Entendemos então que D’varim é como se fosse o ponto de partida para a “Nação israelita”, pois sintetizava em seu conteúdo tudo o que definia e representava ser um israelita, ou seja, a omissão de vários aspectos importantes da história dos hebreus pode significar que todos já conheciam as origens e o chamado do povo, e que naquele momento se iniciava uma nova etapa, onde a identidade israelita estava sendo definida e santificada. É esta definição contida em D’varim que nos leva a compreender porque muitos o consideram como aquilo que salvou o povo na diáspora, já que seu valor é mais do que literário, é moral.
O que também nos salta aos olhos é o forte apelo para as relações humanas. De fato, a geração que estava recebendo aquelas palavras, não era mais a mesma, pois com exceção de Yehoshua e Kaleb, ninguém da geração anterior entraria na terra prometida. Foi uma geração que NÃO cresceu no cativeiro de faraó numa terra infestada de idolatria, mas sob a liderança de Moshe, conhecendo o poder e a vitória decorrentes da confiança em Adonai. Estas características indicam que o povo tinha um nível de consciência religiosa bem definida, porém, é possível que, no que diz respeito às relações sociais, muitas coisas precisariam ser “ajeitadas” e é com este “background” que se entende a instituição de diversas leis com a finalidade de organizar a sociedade israelita em relação ao seu cotidiano e também nas celebrações estabelecidas pela Torah, como vemos nos capítulos 14 e 16, por exemplo.
O crescimento do povo longe da idolatria do Egito e a separação dos povos cananeus, podem ter causado um “efeito colateral” nos filhos de Israel, a hipocrisia e a xenofobia. Contra estes males D’varim preveniu da seguinte forma:

“Circuncidai, pois, o prepúcio do vosso coração, e não mais endureçais a vossa cerviz. Pois YHWH vosso Elohim é Elohei dos deuses, e o Senhor dos senhores, o El grande, poderoso e terrível, que não faz acepção de pessoas, nem aceita recompensas;
Que faz justiça ao órfão e à viúva, e ama o estrangeiro, dando-lhe pão e roupa. Por isso amareis o estrangeiro, pois fostes estrangeiros na terra do Egito.”

(D’varim/Deuteronômio 10.16-19)

A autoria do Livro.

As discussões entre críticos e acadêmicos sobre a autoria de D’varim, fornecem dados interessantes para análises, contudo, por questões de brevidade, não iremos abordar todas as questões, mas apenas um breve resumo daquilo que consideramos mais relevante para o momento.
Até época recente, alguns críticos afirmavam que D’varim havia sido escrito no tempo de Yoshiyahu (Josias) por volta do ano 621 a.C. isto se deve, provavelmente, por causa do idioma e estilo e também por um “evidente” parentesco com Yermiyahu (Jeremias) e o autor do Sefer Melachim (Livro de Reis) tanto pela forma quanto pela retórica. Contudo, a unidade de pensamento encontrada no livro e citações encontradas nele próprio (capítulo 31.9, 24-26), apontam para Moshe como o autor.
Uma provável solução para o impasse sobre a autoria poderia ser sugerida a partir do pensamento de que um texto original foi encontrado no período do reinado de Yoshiyahu (Josias), já que a reforma implantada por este após a descoberta do sacerdote Chilkiyahu (Hilkias) do livro da Lei perdido no Templo (ver Melachim beit / II Reis 22. 8-30), apresenta muitos pontos de contato com o sefer D’varim, mas recebeu acréscimos no decorrer do tempo. De fato, o último capítulo sobre a morte de Moshe é compreendida como um apêndice posterior, escrito talvez por Yehoshua (Josué), El’azar (Eleazar) ou mesmo Sh’muel (Samuel).
De qualquer forma, mesmo diante de todas as teorias e especulações sobre a autoria destes escritos, nossa opinião é de que Moshe foi e o grande responsável pela codificação e registro da Lei, e como iniciador religioso e primeiro legislador ele deve ser considerado o autor desta obra, mesmo que a mudança dos tempos e condições sociais do povo israelita exigisse algumas adaptações de sua forma original.
Corroborando com a autoria de Moshe, temos alguns relatos da B’rit Chadashah (Chamado de Novo testamento pelos cristãos):

Disseram-lhe eles: Então, por que mandou Moisés dar-lhe carta de divórcio, e repudiá-la? Disse-lhes ele: Moisés, por causa da dureza dos vossos corações, vos permitiu repudiar vossas mulheres; mas ao princípio não foi assim.
(Matitiyahu/Mateus 19.7-8)

Porque a lei foi dada por Moisés; a graça e a verdade vieram por Yeshua HaMashiach.
(Yochanan/João 1.17)

Porque, se vós crêsseis em Moisés, creríeis em mim; porque de mim escreveu ele.
Mas, se não credes nos seus escritos, como crereis nas minhas palavras?
(Yochanan/João 5.46-47)

Porque Moisés disse aos pais: YHWH vosso Elohim levantará de entre vossos irmãos um profeta semelhante a mim; a ele ouvireis em tudo quanto vos disser.
(Ma’assei/Atos 3.22)

Ora, Moisés descreve a justiça que é pela lei, dizendo: O homem que fizer estas coisas viverá por elas.
(Ruhomayah/Romanos 10.5)

Porque na lei de Moisés está escrito: Não atarás a boca ao boi que trilha o grão. Porventura tem O Eterno cuidado dos bois?
(Curintayah alef/1 Coríntios 9.9)

Portanto, citando Mishlei (Provérbios) 22.28, entendemos que devemos manter a tradição da autoria mosaica dos textos não só de D’varim, mas de toda Torah:

“Não removas os antigos limites que teus pais fizeram”

Curiosidades do Sefer D’varim.

  • É o livro com maior número de questões de relacionamento humano do que qualquer outro livro da Bíblia.
  • É citado 356 vezes por escritores posteriores do Tanach e mais de 190 vezes pela Brit Chadashah.
  • Foi o livro mais citado por Rabi Yeshua.
  • Enfatiza o amor de YHWH por Israel 5 vezes.
  • Enfatiza a necessidade de o homem amar ao Eterno 12 vezes.

Concluindo...

Este pequeno artigo buscou trazer uma base para o início dos estudos do Sefer D’varim, como pode ser observado, não esgota todas as discussões sobre o mesmo, apenas inicia o assunto para que de “Shabat a Shabat”, construa-se o conhecimento necessário para prosseguirmos nossa jornada e, se alguém quiser utilizar o nome dado pela septuaginta, Deuteronômio, que se entenda que a repetição não é a da Lei, mas deve ser a da prática dos mandamentos contidos neste livro.

Referências:

“A Lei de Moisés” Torá – Editora e Livraria Sêfer LTDA, 2001
“Conheça Melhor o Antigo Testamento”. Stanley A. Ellisen- Ed. Vida
Tanach Study Center”. Menachem Leibtag - http://www.tanach.org/
“Dicionário Bíblico”. John L. Mackenzie – Edições Paulinas. 1984

Shabat Shalom!!!